os primeiros dez quilómetros

Há uma altura na vida dos corredores em que é permitido desistir. Eu achava que fazer uma distância pela primeira vez, num domingo de manhã e à chuva era uma dessas alturas. Mas não foi. Ainda não foi desta vez que desisti. Fiz os primeiros dez quilómetros.

Não sei por que motivo me inscrevi. Foi uma ideia maligna que me passou pela cabeça. Nunca tinha feito dez quilómetros e não corria desde a mini maratona. E estava a pensar tanto naquilo que duas noites antes da corrida tive pesadelos. Não ia conseguir. Porque nunca tinha corrido tantos quilómetros (dez quilómetros é muito, é imenso, nem sei o que é), porque me ia dar dores, porque ia estar a chover a potes, porque isto e porque aquilo.

Levantei-me às sete e tal da manhã. Marcam as corridas com as galinhas também não sei para quê. E quando o despertador tocou tão cedo eu pensei que era domingo e ninguém merece acordar a esta hora. Ele, sempre super entusiasmado com tudo o que é correr, não se levantou ao primeiro toque do despertador. E eu pensei “graças a deus, a corrida está cancelada”. Deixei tocar mais umas vezes e nada. Era verdade, já não íamos correr. Até que ele acordou.

A minha questão era a seguinte: até que ponto está a chover muito para a corrida ser cancelada? Nunca. Ok, então até que ponto está a chover muito para podermos abandonar a corrida a meio? Nestes pensamentos, o nosso amigo corredor manda uma mensagem a dizer que tem uma dúvida, dadas estas condições atmosféricas, e eu pensei que era desta. Ele vai dizer que é melhor não irmos, que vamos ficar doentes. Mas não. Ele só queria mesmo saber se o dorsal trazia alfinetes. Nada feito. Íamos mesmo correr contra todas as pingas que caíssem do céu.

Já no caminho pensei em várias estratégias para descansar ao longo de dez fatídicos quilómetros. A melhor ideia que me ocorreu foi ficar parada tipo estátua. Se alguém me perguntasse alguma coisa eu dizia que estava a fazer o manequim challenge. Nunca vi numa corrida. Podia ser a primeira!

Os primeiros dez quilómetros – corrida das pme

O percurso começava junto ao CCB, ia até à Torre de Belém, dava a volta e ia até à 24 Julho regressando novamente até ao sítio da partida. Para lá tudo muito bonito. Para cá, ventinho a bater na cara, cabelos a colar ao pescoço, chuva da boa por todo o corpo. Nem quero comentar. Mas depois encontrava os meus companheiros de corrida a meio do caminho e então corria mais rápido, para eles verem que eu estava mesmo a levar aquilo a sério. Claro que enquanto eu ainda ia para lá já eles estavam a voltar para cá, mas pronto.

Nisto, enquanto eu estou nesta excitação, vejo pessoas já com os saquinhos da vitória a ir para casa, a correr. A sério? As pessoas acabam de fazer uma prova a correr e o meio de transporte que arranjam para ir para casa são as pernas? Pelo amor da santa.

Continuando. Mais à frente vejo a placa dos oito quilómetros. Calma lá que daqui eu nunca tinha passado. E a sensação de fazer uma coisa que nunca pensei, em toda a minha vida de sofá, é realmente espetacular. Eram os primeiros dez quilómetros e eu ia conseguir. Eu já nem a correr estava. Aquilo era mais um saltitar. Uma coisa entre o andar e o correr mas em modo desajeitado.

Agora já não queria saber de nada, nem que fosse de mãos no chão eu ia chegar àquela meta e cumprir os primeiros dez quilómetros da minha vida nem que fosse de gatas. Eu não tinha tempo definido, a única coisa que queria era não chegar depois dos senhores já estarem a recolher o material para ir embora. E como disse aqui, chegar ao fim é a única coisa que me faz lá voltar. A sensação de chegar, a sensação de acabar, tipo acabou, sabem?

Amanhã será um dia difícil. O dia depois da corrida é sempre terrível. Ainda bem que trabalho sentada e não me peçam para ir tirar fotocópias. Se calhar vou mesmo prescindir da hora de almoço já que para isso sou obrigada a levantar-me.