O meu cabelo está sempre do mesmo tamanho porque sempre que as pontas começam a ficar feias (vulgo espigadas) é hora de cortar. E então é sempre vira o disco e toca o mesmo. Ficam feias, corto, cresce e as pontas ficam feias e…corto. E é este o ciclo da minha vida capilar.

A decisão começa largos dias antes. E está sempre entre cortar o equivalente a três ou quatro dedos. É um drama. Hoje tinha decidido cortar quatro. Já na cabeleireira, começam a dar-me os nervos. Vejo as revistas e quero fazer imensos cortes, mas volto à realidade quando me dizem “pode passar ali para a lavagem”, e volto a pensar em “três ou quatro dedos”, analisando já o tamanho da mão da senhora (para decidir se são três ou quatro dedos avaliando pelo tamanho da mão dela.)

Durante o tempo em que estou sentada na cadeira da morte, passo o tempo a imaginar o que se passa lá atrás. O que é que aquela tesoura maligna estará a fazer? De certeza que não está a fazer nada do que lhe pedi.Quando eu era pequena a minha avó e a minha mãe costumavam acenar à senhora para me cortar mais, mais e mais, muito mais do que aquilo que eu tinha pedido. Acho que nasceu um trauma.

Nessa altura, eu quis ser cabeleireira. Brincava sempre com a mesma boneca a quem metia rolos e depois um saco na cabeça, a fazer de secador (daqueles esquisitos que há nos salões de beleza). Só me voltava a lembrar dela dias depois. Foi nessa altura que pensei que não, o meu futuro não passava por torturar as pessoas.

Hoje, os quatro dedos da senhora não eram equivalentes aos meus quatro dedos. De modo que resolvi indicar “são três dedos” e acrescentar, para não haver mal entendidos, “é só mesmo para cortar as pontas!”.

Cortar o cabelo cansa-me. Cortar o cabelo dói-me.