Cartas de Angola # 3
Com o aproximar do Natal as saudades batem um bocadinho mais. E hoje em especial. Hoje a Ana faz anos. E não está cá. Pela primeira vez. Mas nós somos fortes. Vejam como as coisas se conjugam com equilíbrio entre nós. Eu aqui com frio, de cobertor à noite. E ela lá com calor, a transpirar quando pensa em fazer uma árvore de natal.
A Ana sempre gostou do seu aniversário, às vezes mais outras vezes menos mas sempre estivemos juntas neste dia. É imperativo que à meia noite seja eu a primeira pessoa a dar-lhe os parabéns. Não descansei o dia todo a pensar nisso. Antes era certo que estaríamos num café qualquer a fazer tempo para chegar a hora. Mesmo que amanhã fosse dia de trabalho. Era assim e pronto. Ela faz o mesmo comigo. E ontem, à meia noite assim fiz. Parabéns, amiga!
A Ana também sempre gostou do Natal. De passá-lo em família. Com uma mesa grande. Queria aquecer-lhe o coração nestes dias, mas lá está tanto calor… Às vezes é mais simples não dizer nada para ver se passa. Vamos descomplicar, porque mais tarde ou mais cedo estaremos a dançar outra vez.
Nesta carta senti que me escreveu para me tranquilizar. A dizer que vai estar bem. Que o natal vai ser diferente mas vai estar bem. Eu acreditei. Preferi acreditar.
Aqui fica o que ela me escreveu há uns dias:
“Natal… eu sempre vivi o natal com frio e chuva, à lareira. Hoje vivo o natal com calor. Para mim não é natal.
Esta época natalícia é tão gira, mas com este calor passamos por ela e não nos apercebemos. Só o facto de transpirar a fazer a árvore de natal é logo estranho. A verdade é que nem tenho vontade de a fazer. Quer dizer, eu queria fazer, sim. Mas uma árvore que se adaptasse mais à realidade em que vivo actualmente. Tipo uma palmeira. Agora um pinheiro? Não se enquadra aqui. Nada se enquadra aqui. Não existem pinheiros. No máximo embondeiros. E o pior é ver pessoas pessoas vestidas de pai natal com este calor!
Acho muito mal terem criado uma imagem do natal a nível mundial. O natal devia ser diferente de país para país. Mas não. É mesmo igual. Aqui fazem árvores de natal com neve. A sério, mesmo? Neve em Angola? Não tem nada a ver. Mas é a imagem do natal.
Este ano vou passar um natal diferente e quero que seja mesmo diferente com algo que identifique este país. É assim que idealizo. Também vai ser diferente por não estar com a minha família e isso vai custar. Mas vou estar bem, com a família daqui.
Beijinhos.
Ana”
Eu queria fazer. Mas uma árvore que se adaptasse mais à realidade em que vivo actualmente. Tipo uma palmeira.
Green
É triste quando as pessoas que gostamos ou até nós, têm de rumar a outros países, às vezes até ao outro lado do mundo, para conseguirem ter algo a que possam chamar de emprego, algo a que possam chamar de vida. Beijinho*