Esqueci-me dos óculos de manhã. Já estava no carro quando senti falta deles. Refleti um segundo se valia o esforço de estacionar, voltar a casa e chegar atrasada ou se aguentava as horas de trabalho sem eles. Não voltei para trás para os ir buscar.

Eu vejo mal ao longe. Tenho uma dioptria e tal num olho e menos que isso no outro. Tenho de ter os óculos por perto para ver os menus dos restaurantes take away, mas também não é uma coisa que me condicione muito mais a vida do que isso. Só tenho dificuldades em reconhecer alguns textos e sou capaz de trocar uns números se estiverem lá muito longe. Uso também os óculos para escrever ao computador, ver televisão em casa, para ir ao cinema, para ler e para conduzir, principalmente à noite. Costumo dizer que vejo o mundo de outra forma quando meto os óculos. Não consigo imaginar pessoas que vejam pior do que eu e o desconforto que isso pode causar. Assim como também me faz confusão quem vê mal ao perto, por exemplo.

Nunca tentei usar lentes de contacto porque os óculos não me chateiam. Excepto quando me esqueço deles. No entanto, prefiro deixá-los em casa e ter que franzir a testa para conseguir ver a cara de quem vem lá do que ter que enfiar coisas gelatinosas nos olhos todas as manhãs.

Ainda não decidi o melhor sítio de os guardar para não me esquecer deles. Na mesa de cabeceira não resulta porque não os uso ao acordar. Talvez na casa de banho. Ou mesmo na mesa da entrada. Para isso era preciso lembrar-me de os colocar lá na noite anterior, quando estou com eles meio tortos entre a minha cara e a almofada do sofá. O melhor será colocar uma corda ao pescoço. Hoje vi o mundo com outros olhos. E o mundo é um lugar desfocado quando não trazemos óculos.