Brunch do mundo

Desde cedo que me lembro de escrever. No princípio eram as cópias e os ditados. Depois as composições dos testes que sempre foram a minha parte preferida. A seguir escrevi cartas. E depois histórias e o blog. Com a comida a minha história nem sempre foi assim tão fácil de explicar, mas cheguei ao Brunch do Mundo sem medo de experimentar e percebi que tanto a escrita como a comida são amores que estão lado a lado.No final do ano passado descobri na Rita da Nova e nos seus workshops um novo fôlego para escrever. A Rita conquistou a minha confiança, sabem? Nem sempre é fácil deixar-me levar por pessoas mas normalmente reconheço as boas. Ela é uma delas. Tenho entendido melhor o  poder da escrita e como através dela podemos conhecer os outros e principalmente saber mais de nós próprios.

A primeira experiência de escrita criativa que tive com ela foi tão intensa que saí de lá a com a cabeça a latejar. E isso fez tanto sentido que nunca mais parei de ir ter com ela. Na segunda vez fiquei nervosa. Tínhamos que construir personagens e isso eu nunca tinha feito. Foi um bocadinho mais difícil desconstruir e afastar tudo o que sei de mim para construir outra pessoa. Mas consegui fazê-lo e sair de lá satisfeita.

escrita criativa de sensações e brunch do mundo

Fotografia de Tania Carvalho

Este domingo que passou foi diferente. Não saí de lá só satisfeita. Saí de lá orgulhosa de mim própria. Não foi difícil escrever, foi só mais difícil sentir. Este domingo o workshop chamava-se “escrita criativa de sensações” em parceria com o Brunch do Mundo.

O Brunch do Mundo

Comida e viagens são duas paixões de muita gente. São minhas também. A Ana e a Rita  criaram o Brunch do Mundo com objectivo de dar a provar a gastronomia de vários países, misturando todas as suas sensações, porque acreditam que isto une as pessoas. O projecto tenta juntar pessoas à mesma mesa (com capacidade limitada – falem com elas!) e dar-lhes um menu de acordo com aquilo que se come nos vários continentes. A viagem começa quando nos deixamos levar pelos nossos sentidos.

brunch do mundo

Aqui entramos noutro campo. Eu adoro comer, mas adoro comer as coisas que tenho a certeza que gosto e eu não gosto de tudo! Tinha bastante medo de ter que comer coisas e dizer que não gostava perante toda uma mesa lotada de pessoas de quem eu já comecei a gostar. Há duas coisas importantes de dizer antes de prosseguir, que revelam muita coisa sobre mim:

  • Já fui a muitos países e já vi muita comida que não provei porque não gostei do aspecto ou do cheiro ou do que quer que fosse.
  • Jamais seria capaz de não gostar de uma coisa e continuar a comer para disfarçar. Quando não gosto, eu não consigo mesmo comer.

Ir ao Brunch do Mundo era o meu primeiro desafio desse domingo. Escrever sobre isso era o segundo. E fui com a plena consciência de que poderia ser interessante e, na pior das hipóteses, engraçado, escrever sobre as coisas que não gostei de comer. Enganei-me. Gostei de tudo!

Escrever com os cinco sentidos apurados

Não vou dizer exatamente como tudo se passou, nem revelar todos os pratos que foram escolhidos para provarmos e escrevermos, porque tenho a certeza que vão existir mais edições e assim não estrago a surpresa a ninguém. Vou só contar a minha reação e partilhar excertos dos textos que escrevi:

Olfacto. Cheirou-me a líquido. (Se é que isto existe.) A exótico e a castanho. Era a primeira prova, aquela que me ia despir das reservas todas. Dar vida a um cheiro.

Havia nela uma mistura de suavidade e destreza ao caminhar. Mas tinha também em si todas as certezas que uma aventureira precisa para seguir de pedra em pedra, sem tropeçar, e acabar mergulhada na quente, naquele dia de verão, no riacho.

brunch do mundo

Visão. Tenho a mania de precisar de olhar para saber se gosto das coisas. E nunca provei nada na vida sem primeiro ver o seu aspecto. Estaria a começar a perder o medo?

Há um sítio onde posso meter as mãos para cima e dançar não ao sabor do vento mas ao meu. Ao meu sabor. Ao ritmo dos meus sentidos, das minhas paixões e escolhas.

Tacto. Não gosto da sensação de incerteza, de “apalpar terreno”. Quando vi a comida, achei que era ao terceiro prato que ia vacilar. Mas peguei naquilo e comi.

Sabes quando estiveste demasiado tempo no banho? Quando sentes duas texturas diferentes no corpo porque tremes de frio e sentes a pele enrugada? Era assim que eu me sentia naquele dia quando cheguei a casa molhado da chuva à qual não consegui fugir.

Fotografia de Rita Gil Pires, Brunch do Mundo

Audição. Ouvi um crepitar, um som seco que se trinca. A comida que comi só a ouvir. A comida que até me esqueci de fotografar e meti a colher lá dentro.

Mais do que mastigar esse boato queria trincar cada pedaço de mal dizer. Porque sentia os vidros a partirem debaixo dos seus pés.

Paladar. A que é que sabem memórias?

Sabem à memória de uma menina feliz a correr no terraço, à volta das poças de água, ainda com as mãos sujas do lanche.

Fotografia de Tania Carvalho

Muito obrigada, Rita. Por me teres levado nesta viagem. A escrita já me fez descobrir-te a ti e um bocadinho mais a mim também. Muito obrigada Brunch do Mundo. Por me terem iniciado nas comidas “estranhas” e me terem deixado vontade de voltar a ir ter convosco e levar toda a gente que conheço. Fazem um trabalho notável e incrível nos vapores daquela cozinha. Obrigada a todas as companheiras que já conheci nestes workshops de escrita e a todas as outras pessoas com quem tive a sorte de me cruzar, um dia, e que venho trazendo comigo, desta outra viagem, é que ter um blog.

Fotografia de Tania Carvalho

Brunch do mundo

Fotografia de Margarida Pestana