O que queres ser quando fores grande?

Quando nos perguntavam, há muito tempo, “o que queres ser quando fores grande?” muitos de nós, se soubéssemos o que sabemos hoje, teríamos dito que queríamos ser crianças outra vez. Mas como não sabíamos, queríamos ser grandes e adultos, muito rápido. Quanto mais depressa melhor.
Quando éramos pequenos queríamos assumir responsabilidades. Tomar decisões. Fazer o que nos apetecesse. Queríamos, sobretudo, que ninguém mandasse em nós. E era por isso que queríamos ser grandes rápido.
Agora, muitos de nós, voltariam de bom grado à infância. Àquela preocupação básica de acordar a horas para não perder os desenhos animados. E aquela birra para não comer o peixe cozido ao fim-de-semana? Hoje tudo o que queria era não ter pensar no que vou tirar para jantar! E aquela máquina maravilhosa de onde sai dinheiro se lá colocarmos um cartão. Multibanco, não é?
Eu costumava dizer que trabalhar devia ser muito melhor do que estudar. E baseava-me no facto de que estudar acontecia na escola e em casa. Enquanto que os nossos pais quando chegavam a casa não precisavam de trabalhar mais. Porque a casa estava sempre arrumada, sem pó à vista, não é? E a roupa estava sempre na gaveta super engomada e alinhada. A loiça lavada. O jantar servido.
Ser cabeleireira para nunca cortar o cabelo
A primeira vez que me perguntaram “o que queres ser quando fores grande?” respondi “cabeleireira”. Sei porquê. Eu ia todas as semanas com a minha avó à cabeleireira. Ficava lá a pintar os meus livros, um dos meus passatempos preferidos de infância. Podia querer ser pintora. Mas não, quis antes ser cabeleireira. Gostava de ver a tesoura a cortar e os rolos nos cabelos. Mas odiava quando era eu a sentar-me na cadeira. Eu dizia sempre para cortar só um bocadinho. Mas sei que a minha avó, lá atrás, fazia gestos para a senhora cortar mais um bocadinho (um bocadão, no caso).
Quando chegava a casa agarrava na minha boneca preferida, que tinha, curiosamente, o cabelo mais curto da história e fazia-lhe rolos no cabelo. Pousava o meu arsenal de escovas e secadores em cima da tábua de passar a ferro de brincar. No final, como não tinha a máquina para enfiar a cabeça lá debaixo, metia um saco de plástico na cabeça da boneca. E ia à minha vida, brincar a outra coisa qualquer.
Professora, mas sem paciência para aturar alunos reais
Mais tarde, quis ser professora. Pegava em legos e fingia que eram giz. Escrevia num espelho com eles e imaginava que lá ficava uma grande coisa escrita para os bonecos à minha frente aprenderem. Escrevia páginas e páginas a fingir que eram o livro de ponto. Tinha um grande fascínio por fazer certos e errados. No fundo o que eu gostava mesmo era de escrever. Não me interessa particularmente o quê. Gostava de ver folhas escritas. O meu amor pela escrita começou aqui, provavelmente.
Depois percebi que a minha pouca inexistente paciência nunca me ia permitir lidar com um bando de miúdos desobedientes e desinteressados. Mudei de ideias. Ainda bem.
Quando uma série de televisão acaba por decidir o que queres ser quando fores grande
Eu via muita televisão. E foi por causa de uma série que deu que decidi a profissão que tenho hoje. À terceira foi de vez quando vi a série da Sic “Jornalistas”. Podia ter escolhido antes ser médica ao ver o “Médico de Família”. Mas não aconteceu. Decidi bastante nova, mas muito consciente e firme, que queria ser jornalista. Mais depressa do que algumas decisões que tenho de tomar hoje enquanto adulta. As pessoas perceberam que era a sério quando me perguntavam “o que queres ser quando fores grande” e eu repeti o mesmo durante vários anos. Fiz todos os estudos no sentido de vir a estudar jornalismo e foi o que aconteceu. Eu tinha um objectivo e cumpri-o. Hoje eu sou o que um dia quis ser quando fosse grande.
Hoje sinto que escolhi isto tão cedo que é como se já fosse jornalista há demasiado tempo. O jornalismo também nem sempre é aquilo que eu queria que fosse. Hoje acho que somos obrigados a escolher demasiado cedo a área que queremos. Não temos muito tempo para pensar sobre isso. Crescemos a ouvir as pessoas perguntarem o que queremos ser. Mas nossas paixões podem mudar ao longo do tempo. É legítimo que isso aconteça. Nós evoluímos, nós conhecemos coisas, nós ultrapassamos e provamos um bocadinho da nossa imaginação de crianças quando já somos adultos. Como se a imaginação crescesse connosco também. Hoje temos espaço para perceber melhor aquilo que queremos ser quando formos grandes, maiores ainda. E podemos querer ser outras coisas. Tantas coisas.
Green
Eu quando era pequena não sabia o que queria ser quando fosse grande, acho que ainda hoje não sei bem. Gosto do que faço mas descobri esse gosto de forma tão aleatória e inesperada que nem sequer tem a ver diretamente com a minha formação inicial. No entanto, acho que quanto mais crescemos, mais dúvidas temos sobre o que queremos fazer, pois a quantidade de profissões que existem é infinita, pelo menos, é um pouco assim que me sinto.
Andreia Moita
Tens mesmo razão. À medida que crescemos crescem também as nossas hipóteses. Até porque há coisas novas que vão surgindo ao longo do tempo e os nossos gostos e vão se apurando ou alteram se mesmo.