lanche sozinha fauna e flora

Sentei-me sozinha a lanchar no “Fauna e Flora”. Tinha que fazer tempo antes de ir para o meu compromisso. Fazer um lanche pareceu-me boa ideia. Há um tempo atrás jamais o teria feito sozinha.

Sempre achei constrangedor estar sozinha a almoçar. Estar sozinha a ver um filme no cinema. Ir sozinha aos saldos. Embora sempre tivesse gostado de estar sozinha em casa, tudo o que fosse estar sozinha em público não era fácil para mim. Usei a palavra “constrangedor” porque não era a solidão, a preto e branco, que me assustava. Era o constrangimento.

Nesta tarde sentei-me no tal café da moda e pedi uma panqueca e um sumo natural. Tudo chique. Tudo trendy. Tudo coiso. Tudo sozinha. Sempre que vou a algum sítio onde sei que vou ter que esperar levo um livro. Normalmente espero no carro. Para não me verem. Naquela mesa de café tirei o livro da mala.

A “forever alone” ou a coragem de estar sozinha

“Olha-me aquela sentada sozinha a ler um livro!” Uma forever alone, a fazer um lanche, por certo. Era isto que eu temia? Que pensassem que era uma pessoa infeliz e rejeitada pela sociedade? Pois não me fez impressão nenhuma. Que pensem. Achei-me até descontraída e segura. Olhem para mim a comer a minha panqueca e a ler um livro sentada sozinha sem medos! Uma história sempre foi capaz de encher uma sala. Desta vez eu também fui.

Lembro-me de passear em Londres e ver as pessoas a comer sozinhas nos bancos do jardim e achar triste. Hoje acho uma atitude altamente libertadora e vejo-me capaz de fazer o mesmo. É preciso confiança para encarar. Vou fazer isto mais vezes. Há dias em que sou insuportável e preciso de alguém para me agarrar, mas há outros em que aguento o meu próprio peso.

As senhoras das mesas ao lado

As senhoras na mesa ao lado falavam alto. Quer dizer uma delas falava. A outra só ouvia. Eu, de olhos no meu livro, ainda escutei coisas pouco agradáveis sobre a Ana e a Marta. ” É que ao menos admitiam, meu”. Acho que foi tudo por causa de um tal Ricardo.

Na outra mesa a senhora também se encontrava sozinha, como eu. Estava a comer uma panqueca, com frutos vermelhos, enquanto esperava a sua companhia. Essa, que já estava atrasada, sentou-se enquanto falava ao telemóvel com alguém da emel, por causa do carro, e depois com a mãe enquanto que a outra continuava literalmente sentada à espera. E eu a ler, a ouvir o monóloga da outra e a assistir a esta cena deprimente. A minha capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo é incrível. Ou então é só a minha curiosidade nata de observar. Ou é cuscuvelhice, pronto, é.

O Fauna e Flora estava com pouca gente. Calmo, até dava para ouvir a música de fundo, ao contrário do que acontece no fim-de-semana em que a fila ultrapassa a estrada até ao outro lado. A minha panqueca (que na verdade eram três) era de matcha com molho lemon curd. Uma mistura agridoce agradável. Alta e fofa, tinha kiwi e tangerina. E uma flor. Acho que era daquelas que se come. Mas deixei-a. E nisto li dois capítulos do meu livro. Comi. Vim-me embora. Dei-me tempo. Não tive vergonha. Estive sozinha a lanchar. Só espero que a Ana e a Marta acabem por admitir o que fizeram. Parvas.