chover

Anna viu-o do outro lado da estrada. Não podia ser. O cansaço de tantos dias de sol estava a deixá-la confusa. Fechou os olhos um segundo e voltou a abrir para ter a certeza que não estava a sonhar. Quando voltou a abrir os olhos, ele continuava lá.

Não chovia há muito tempo na vila de Asperg. Ninguém sabia o motivo de tal fenómeno, era um mistério. As pessoas começaram a medir as unidades de tempo em dias sem chover. Desde o verão passado que não caia água do céu.

Anna cansava-se muito com o calor. E naquele dia pensou que estava a ver uma miragem, como no deserto, quando viu Gabriel do outro lado da estrada.

Gabriel foi o seu primeiro amor. Apaixonaram-se durante o verão passado. Foram três meses intensos. Anna mostrou a Gabriel as belezas da vida de Asperg. Era uma pequena vila piscatória onde cheirava a mar e a peixe fresco. Gabriel passava lá as férias com os seus avós e descobrira em Anna uma frescura que não tinha na cidade grande onde morava o resto do ano. Ela era uma rapariga destemida que ensinava Gabriel a pescar no rio. Um dia ela contou-lhe que os pais morreram quando ela era ainda pequena. Foi criada por uma amiga da família e teve que ajudar em casa, desde cedo. A pesca era a sua forma de subsistência. Gabriel apaixonou-se por ela no dia que lhe contou esta história. Gostava da sua força interior e das suas madeixas morenas e compridas.

Anna, pelo contrário, apaixonou-se por Gabriel no primeiro dia em que o viu. Não precisou de saber nada sobre ele para o amar. Gostava da sua leveza, tranquilidade e da forma como se fingia interessado pela sua arte de pescar, só para a ver feliz. O tempo que passou com ele foi os melhor da sua vida. Na vila de Asperger não havia ninguém da idade dela, até ao dia em que Gabriel apareceu, magro, alto, loiro e cheio de energia. Trazia felicidade à vida dela.

Durante aquele verão mantiveram o amor que sentiram em segredo para toda a gente; até para eles mesmos. Nunca confessaram o que sentiram um pelo outro. Só queriam passar tempo juntos e, na verdade, eram muito jovens, nunca tinham sentido nada parecido antes.

No último dia de férias Gabriel despediu-se de Anna no momento em que algumas nuvens escuras ameaçavam chuva. Gabriel aproveitou o momento para evitar a terrível despedida. “Prometo que volto antes que chova” – disse – tentando, através de palavras bonitas,  minimizar o tempo que os iria separar. Talvez só pudesse voltar no próximo verão.

Quando Anna viu Gabriel naquela tarde, tanto tempo depois de se ter apaixonado por ele, o seu coração disparou. Deixou-se ficar imóvel até que ele a viu e os seus olhares se cruzaram. A mesma chama voltou a queimar o coração dela que ficou tão quente como o sol que lhe tinha queimado a pele durante os últimos meses em que não houve nem uma pinga de chuva em Asperg.

Gabriel aproximou-se. Deram o seu primeiro beijo. E a promessa cumpriu-se. Começou a chover.

***

Este foi um exercício foi feito para um curso de escrita criativa em que tinha de construir um enredo, suspense e personagens. Tinha que conseguir um bom título. E tinha que encontrar forma de ter um primeiro parágrafo cativante e fechar o texto no momento certo. Fiz este pequeno conto. Se é que lhe posso chamar assim. O que me dizem? Como me saí?