Duas pessoas que se odeiam ficam 12h fechadas num elevador | Projecto 642

_ Está calor, não está? – começa por dizer Vanessa. _ Por acaso, até estou ligeiramente arrepiada. – Atira, Vanda. É sempre assim que começam as conversas de elevador. Mas quando duas pessoas que se odeiam ficam 12h fechadas num elevador, as coisas podem mudar um pouco.
Um revirar de olhos. Um suspiro de cansaço. Ou vários. Ninguém chega para abrir a porta do maldito elevador. O botão já encravado de tanto carregar. A sensação de não saber o que mais as incomoda, se o calor, se o frio ou se é afinal a presença uma da outra.
Presas num elevador metade do dia Vanessa e Vanda tinham os telemóveis sem rede. Os sapatos a apertar. Vontade de fazer de ir à casa de banho, fome, dor de cabeça e uma garrafa onde já só restam pingas de água. E, a acrescentar a isso, todos constrangimentos físicos de estar de pé com a mala e a lancheira (vazia) ao ombro. Sentaram-se à chinês, mas as pernas ficaram dormentes e as horas estavam tão presas quanto elas.
12h fechadas num elevador: O que é que se diz a uma pessoa que se odeia quando a única coisa que resta fazer é falar?
_ Mas tu achas que eu faço de propósito? – Resmungou Vanda depois de Vanessa lhe ter dito coisas que a irritavam. _ Nunca nada do que tu fazes é pensado, não é? É mesmo esse o problema. – Respondeu-lhe a colega. _ Qualquer coisa que eu faça já te irrita, essa é que é a verdade – Vanda despertou mais um botão da camisola. Afinal tinha calor e só tinha mentido para deixar a outra mais enervada.
Durante 12h inevitavelmente Vanessa e Vanda falaram. Daquela vez na reunião em que uma deu uma opinião ridícula. De quando a outra se meteu num assunto que não lhe dizia respeito. Da passividade de uma. Da impulsividade da outra. Da mania da perseguição, da teimosia. E de todas as coisas que no final do dia depois de 12 horas fechadas num elevador não tinham importância nenhuma.
Odiar alguém dá muito trabalho
Odiar alguém dá muito trabalho, porque é preciso manter. Tal como para amar alguém precisamos de forças. De objetivos. De sentimentos. Temos de ter argumentos, Temos de pensar no assunto (e na pessoa) constantemente. Temos de nos lembrar de coisas que acontecerem em 1920. Não podemos falhar. Não podemos dar a parte fraca. É preciso tanta astúcia para odiar alguém que há pessoas que não estão para isso e gostam de toda a gente. Aquelas que têm estofo, como também se fartam, deixam de contar os motivos para tal ódio e passam só a odiar porque sim.
A pessoa pode até não fazer nada que esse exato facto nos vai fazer odiá-la mais. Tal como os conselhos que nos dizem para a ignorar, também nos vão fazer gostar dela um bocadinho menos. E assim, às tantas, deixamos de saber o porquê e isso é tudo o que menos importa. Ódio muitas vezes nem é ódio. É só implicância. Ou outra coisa qualquer. Afinal, não temos que gostar de toda a gente.
Lá porque não gostamos de alguém, isso não faz de nós más pessoas. Não queremos propriamente que a outra pessoa tropece e caia. Aliás, às vezes só precisamos mesmo que ela fique trancada no elevador umas horas para nos dar descanso da sua voz e presença. O pior é se ficamos lá dentro com ela.
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Este texto é parte do projecto 642 movido pela Sofia do A Sofia World.
Green
Eu diria que ódio é uma palavra muito forte, mas efetivamente há sempre alguém de quem não gostamos assim tanto e com quem preferimos não estar e não partilhar tempo útil de vida.