Tudo o que nunca fomos | Book review
Abri o livro “Tudo que nunca fomos” e soube logo pela primeira frase que ia gostar. Como é que isso é possível?
Eu explico. Sou viciada em mar e quero um dia experimentar fazer surf. Admiro a vida dos surfistas e se pudesse escolher um dos meus sonhos irreais seria viver numa caravana e andar de prancha na mão à procura da melhor onda. Acho que deve ser o expoente máximo da plenitude e liberdade ao mesmo tempo.
“Estava deitado na prancha de surf enquanto o mar se movimentava suavemente à minha volta. Naquele dia, a água cristalina parecia estar contida numa piscina infinita; nao havia ondas, nem vento, nem sons”
Este livro tem uma particularidade muito interessante e que nunca tinha encontrado em nenhum. A autora, na primeira página, dá-nos algumas músicas para ouvirmos enquanto lermos determinados capítulos. E isto, minha gente, fez total diferença na experiência de leitura. Não parei de ouvir Beatles até agora. Estou a ouvir agora mesmo enquanto vos escrevo, para manter a magia. Há musicas que já não vou conseguir deixar de associar ao Axel e à Leah. E isto é a magia dos livros a acontecer.
Sinopse do livro “Tudo o que nunca fomos” (não a que está na contracapa, mas a minha)
Axel e Oliver são amigos desde crianças. Passaram todas as fases importantes da vida juntos. Os seus pais eram vizinhos e havia muita cumplicidade entre ambas as famílias. Quando os pais de Oliver morrem num acidente, ele é o único responsável pela irmã, Leah, dez anos mais nova. Para lhe assegurar uma boa vida aceita um emprego do qual não gosta e pede a Axel que a receba em sua casa e tome conta dela enquanto se ausenta. Leah tem 19 anos e desde o acidente dos pais que perdeu todo o interesse em qualquer coisa que fosse, permanecendo dentro de um luto doloroso que não acaba mais.
Axel aceita, mas não vai tratar a miúda que conhece desde sempre como toda a gente tem feito até então. Não a vai deixar fechada no quarto a ouvir música numa bolha. Axel vai fazer com que ela volte a sentir todas as emoções que a morte dos pais lhe roubaram.
Quando Axel se começa a aperceber que a irmã do amigo pode ser mais do que a miúda que sempre conheceu é que os problemas vão começar. O que dirá Oliver sobre o facto de o melhor amigo andar com a irmã mais nova que por acaso deixou a seu cargo? Axel não está habituado a tais sentimentos e quer ajudá-la a regressar à sua vida de antes, mas também quer amá-la. E quando percebe isso percebe também uma quantidade de outras coisas (sobre ela, sobre a vida e principalmente sobre si mesmo) É tão bonito de ver.
Os personagens
O Axel é um boémio que vive em cima de uma prancha, livre como manda a famosa música “let it be”. Vive um dia de cada vez. É encantador vê-lo perante o mundo. Mas é um personagem cheio de camadas. Ele também tem os seus fantasmas camuflados. Todos temos. Não é só aquilo que nós vemos à primeira. Temos de o conhecer para ver como a sua essência é verdadeira e o seu modo de vida e carácter são bonitos.
E Leah é uma miúda que se esqueceu de sorrir e deixou de pintar a cores. Literalmente. Porque antes de tudo ela era uma excelente pintora. Herdou isso do pai. Só que agora já não sente nada. A única coisa que lhe resta dentro do seu coração é a paixão por Axel que sente desde que era uma criança. É precisamente esse sentimento que a vai trazer à tona.
Vamos lendo uma perspectiva de ambos (Axel e Leah) em capítulos separados. E em vários momentos. O livro divide-se pelos meses, durante um ano, que é o tempo que ambos terão de viver juntos até Oliver voltar e Leah ir para a universidade.
Não vos quero estragar o que vai acontecer com spoilers indesejados. Digo-vos só que sou uma fã incondicional de Axel, apesar de tudo. E este “apesar de tudo” que deixo aqui é de propósito para vos fazer ler. O herói desta história está tão bem construído que para mim foi ele o centro da ação e não Leah, como será suposto. Ele é tudo o que eu nunca fui. (Adorei fazer este trocadilho, perdão se fui demasiado básica! Não resisti). Se eu fosse uma adolescente diria que ganhei aqui um crush literário, como se costuma dizer agora.
“Tudo o que nunca fomos” é quase um poema, uma música, uma pintura
Esta é uma história sobre instintos. Emoções fortes. Música. Praia, surf, pintura. Luta e luto. Recuperação, transformação, entendimento, crescimento. Dar e receber. Aceitar e abdicar. Vemos pessoas sair de lugares escuros para voltar a pintar cores. Apesar de o luto ser um tema sensível ele é abordado de forma tranquila, serena, quase poética entre imagens de água salgada e telas de pintura. Aqui vamos aprender sobre as pessoas que vivem o momento e sobre as que não saem do passado. No meio disto, como será o futuro? Vamos ver pessoas a lutar contra si mesmas. E a percepcionar uma série de coisas de várias formas. Vamos ver pessoas a apaixonar-se de forma crua. Ai, foi tão bonito. E eu que nem sou lamechas já QUASE que o quero reler.
“Quase nunca temos consciência de como somos felizes quando estamos a ser felizes. Temos tendência a recordá-lo e a valorizá-lo mais tarde.”
E o melhor elogio que lhe posso fazer é que “Tudo que nunca fomos” é extremamente visual. Consegui sentir imensas vezes o cabelo molhado do Axel a pingar no chão. Consegui perfeitamente ver a casa dele junto à praia, numa vila da Austrália. Vejo perfeitamente na minha cabeça a disposição das divisões, o armário da cozinha onde estavam guardados os chupa chupa em forma de coração e imagino o alpendre com total nitidez que quase que lá estou. É uma história viva em que as imagens ficam presas na nossa imaginação e não sei como dizer mais sobre esta sensação. É LINDO!
Tudo o que nunca fomos vai continuar
Esta história não termina aqui, tem uma continuação mas ainda não existe em português. Mas a história não irá continuar do ponto em que acabou em “Tudo o que nunca fomos”, acontecerá uns anos depois. Portanto é como se esta história no momento presente tivesse tido um final. E no meu entender teve.
Leio muitos livros e nem todos vêm parar aqui. Faço sempre uma review curta de todos no instagram mas nem todos têm um post assim extenso. Este merece porque gostei mesmo muito. Costumo dizer que quando fico a pensar nestas “pessoas” é porque o livro é bom. Recomendo muito a leitura e penso que já encontrei um candidato ao pódio deste ano. JUST SAYING.
“Existem três maneiras de viver a vida. Há aquelas pessoas que só pensam no futuro; de certeza que já conheceste muitas, passam o dia preocupadas com coisas que não aconteceram (…) Depois há aquelas que vivem no passado. São pessoas que sofreram, pessoas a quem alguém fez mal ou que viveram uma situação marcante. (…) O presente. Podes continuar a manter as tuas memórias, isso não faz mal, nem faz mal pensar de vez em quando no futuro, mas durante a maior parte do tempo a mente não deve estar nem naquilo que já aconteceu nem naquilo que não sabemos se acontecerá, deve estar no agora. – Tu és desses – sorriu. – Tento ser. (…)”
Green
Admito que nunca tinha ouvido falar, mas admito que depois de ler o teu post, fiquei curiosa.
Andreia Moita
Recomendo vivamente.
Inês Martins
Que post delicioso! Nota-se pela forma como escreves que gostaste genuinamente do livro. E deixaste-me com uma vontade enorme de o ler, tanto que o já está na minha wishlist e já ponderei mesmo adicioná-lo ao carrinho de compras. Obrigada por esta partilha!
Andreia Moita
Fico contente de ter conseguido passar a minha opinião de forma genuína. Recomendo mesmo muito. Obrigada, Inês.
Isabel Morais
Boa tarde!
Sabe me dizer em que capítulo se encontra está citação: “Quase nunca temos consciência de como somos felizes quando estamos a ser felizes. Temos tendência a recordá-lo e a valorizá-lo mais tarde.”?
Ana Rita
Ólá,
Encontrei a tua opinião mesmo depois de terminar igualmente esse romance. Adorei igualmente o livro e, estou desejosa de ler o segundo volume!
Boas leituras,
https://sobomeuolhar7.blogspot.com/
Andreia Moita
Fico sempre contente quando alguém gosta dos mesmos livros que eu 🙂
íris
olá andreia, eu queria lhe perguntar o porque de você ter escolhido esta passagem do livro: ““Quase nunca temos consciência de como somos felizes quando estamos a ser felizes. Temos tendência a recordá-lo e a valorizá-lo mais tarde.”
Andreia Moita
Porque me identifico e concordo com a frase. Raramente percebemos no momento o que ele significa. Estamos ocupados a vivê-lo. Só mais tarde, quando do recordamos, nos apercebemos do que ele significou para nós e damos-lhe, então, o devido valor.
íris
Olá Andreia, eu queria saber o porque de você ter escolhido esta passagem do livro: “Quase nunca temos consciência de como somos felizes quando estamos a ser felizes. Temos tendência a recordá-lo e a valorizá-lo mais tarde.”