Conto de natal

Perante o emaranhado de lâmpadas sem luz, Clara percebeu que não era daquela forma que ia conseguir resolver o problema. Já tinha ligado e desligado centenas de vezes o interruptor. Já batera, desesperada, com as pequenas luzes fundidas umas nas outras e até mesmo já as atirara ao chão, numa declaração metafórica de desistência mas muito explicita de fúria.

Eram quase horas de jantar na noite de consoada. E as luzes da árvore avariaram. Depois disso ouviu-se um estrondo e todas as luzes da casa se apagaram. Quanta ironia existia em estar às escuras na noite mais iluminada do ano.

_ Vê o lado positivo… – o marido aproximava-se com uma daquelas frases motivacionais irritantes.

_ Eu não quero ver lado positivo nenhum, neste momento agradecia poder apenas…bom, ver alguma coisa. – Clara disse-o chateada, mas Paulo riu-se na mesma. Ela tinha graça ainda assim.

A família começou a chegar e o caos começou a instalar-se lentamente. Entre o monte de casacos, sacos de presentes e sobremesas embrulhadas em papel de alumínio, as luzes da árvore não piscariam, a cortina de estrelas na janela não brilharia. Nem sequer o candeeiro caríssimo de cristal ia dar as boas noites com a sua poderosa luz.

_ Não temos velas? – perguntou o marido, ainda mostrando algum sentido de humor.

_ Trouxe uma para oferecer à Tia Ana. – disse a avó.

Todos se aproximaram dos presentes, mas como estava escuro ninguém conseguia ver qual era o presente da avó para a tia Ana. Seguiram-se alguns momentos hilariantes em que toda a gente começou a abrir presentes de forma descontrolada. E ninguém quis saber do carro telecomandado novo que o Miguelinho tinha encontrado. Nem mesmo ele. Ninguém reparou na camisola de lã, nas pantufas felpudas, no incrível jogo de tabuleiro ou sequer no conjunto fabuloso de copos de whiskey. A única coisa que miúdos e graúdos queriam era mesmo encontrar a bendita vela.

_ Achei, é isto. – A avó encontrou.

Era a vela mais pequena que alguém se poderia ter lembrado de comprar. Um fósforo acendeu-a rapidamente e puderam olhar para a cara uns dos outros e ver o pequeno desastre que os rodeava. Embrulhos desfeitos de forma louca. A magia do natal em pequenos pedaços de papel rasgados à pressa.

Era sempre assim. A noite acabava todos os anos daquela maneira, só que desta vez os motivos eram diferentes. Porque todos queriam desembrulhar uma única prenda: A vela. Bom, a vela minúscula, no caso. Intimamente todos desejaram ter comprado uma vela para oferecer ou pensaram no quão fabuloso seria receber uma vela. Já dizia Dumbledore “a felicidade pode ser encontrada mesmo nos tempos mais escuros, apenas precisamos de nos lembrar de acender as luzes.”

Quando todos regressaram a casa nessa noite, Clara perguntou ao marido afinal qual era o lado positivo daquela triste situação. Mas ele já tinha adormecido. Tudo estava às escuras. Menos a vela minúscula que a avó ia dar à tia Ana. Essa continuava acesa, brilhante e a iluminar a noite mais bonita do ano.