sobre (não) correr

Às vezes lembro-me, enquanto estou deitada no sofá (muito oportuno!) dos tempos em que saia para a rua, para cometer um acto de loucura, chamado correr. Assim, sem ninguém me obrigar ou vir atrás de mim com um pau. Sem precisar de apanhar o próximo autocarro e sem estar a fugir de ladrões ou com pressa para chegar a algum lugar. Por isso é que era uma loucura. Sair para a rua de livre vontade para correr. Correr para nada. Correr era o propósito em si. Conseguem sequer imaginar tal perturbação? A única coisa semelhante a isto que me lembro agora é estar a escrever um texto sobre (não) correr numa atitude saudosista.

Um belo dia senti necessidade de fazer coisas novas. Vi um grupo de corrida no facebook e quando uma amiga me desafiou a ir correr com eles, levantei-me (idiota!) e fui. Nunca tinha corrido mais de dois minutos (sem reclamar) na minha vida. E a última vez talvez tivesse sido numa aula de educação física, parando, evidentemente, sempre que o professor não estava a ver. Nesse dia, possuída por um qualquer demónio, corri 6 quilômetros sem parar (porém, não sem reclamar, pelo menos internamente, já que falar, correr e respirar não coabitam no mesmo corpo – no caso o meu).

Quando cheguei ao sofá, onde estou agora, escrevi um texto. E recomecei o blog que estava parado há um ano. Queria coisa novas? Ali tinha duas. Ou melhor, três. Já que tinha dores nas pernas em músculos cuja existência desconhecia.

As coisas são diferentes quando feitas pela primeira vez

Durante um ano corri todas as semanas. Ou fingia que sim. Não importa. Era capaz de sair para o efeito. O que já era por si era interessante. Nunca gostei da corrida em si. Só me agradava quando acabava. 

Nesse ano corri com amigos. Eles esperavam sempre por mim na meta! E eu achava incrível o espírito que se vivia nestes dias de provas e a resiliência deles em esperar por mim de pé depois de correrem. Houve vezes que pensei em abandonar. Sentar-me à espera que alguém desse pela minha falta. Outras alturas, implorei mesmo para nem sequer irmos porque estava calor ou porque estava a chover. Uma vez fiquei em último. Desconfio que ainda teve mais piada do que o normal.

Lembro-me da primeira corrida oficial. Lembro-me da primeira vez que corri dez quilómetros seguidos. Lembro-me de todas as vezes que não quis ir e de todas as desculpas que inventei para não correr. (Eram mesmo criativas). Lembro-me das dores. Mas não me lembro da última vez que corri. Nem me lembro onde meti essa força invisível que me levantava do sofá. Já tentei voltar. Ao fim de dois minutos apetece-me mandar-me para o chão. Não me lembro como o fazia antes, sabem? Não me lembro como fazia resultar. Não me lembro como e porquê fui essa pessoa. Gostava que os meus músculos tivesse melhor memória do que eu. Assim saberiam como fazer.

Este texto sobre (não) correr fez-me perceber que realmente não somos as mesmas pessoas que éramos ontem (talvez ontem seja demasiado próximo do exagero, mas para o efeito, vocês percebem!) Até posso voltar a correr um dia (é pouco provável) mas já não será a mesma coisa que foi da primeira vez.