Escapei aos spoilers de “Isto acaba aqui” durante muito tempo. Tive de fugir sempre que se falava da Lily, do Ryle e da Atlas. Sabia apenas que se centrava no tema da violência doméstica sob o ponto de vista da vítima, que não deixa de amar o agressor, que eu não sabia qual dos dois era quando comecei a ler. 

“Isto acaba aqui” | Review

Esta é uma história que causa angustia sempre que a vítima tenta justificar, a si mesma, os comportamentos de um marido que lhe bate (“verdade nua e crua”!) Portanto, “Isto acaba aqui” representa a típica história em que o amor não basta. Muita gente poderá nem sequer entender como é que há amor depois de sofrer nas mãos de alguém (literalmente!) Como é o que o amor não se dissipa imediatamente? O livro é sobre isso.

Lily

As reflexões da Lily são muito intensas. E é bom também para a reflexão e compreensão de como uma rede de apoio é importante para tomar a decisão de abandonar o lugar onde um dia se foi feliz (quando de facto essa decisão é tomada). Contudo, compreender a situação dela não é só dizer-lhe para acabar com tudo. Por vezes, é mais complexo que isso.

Normalmente colocamo-nos do lado da vitima e tentamos perceber o que a faz ficar com o agressor. E nunca percebemos. Não nos colocamos na pele do agressor para saber porque magoa uma pessoa que ama. Também nunca percebemos! Nem tão pouco queremos perceber.

Ryle

A personagem do abusador está de tal modo bem feita que há situações que podem causar dúvidas ou fazer muita gente sentir pena dele.  Eu consigo perceber porquê. Sabemos sem margem para dúvidas que ele ama aquela mulher. Sabemos que há uma culpa que o corrói e um passado destrutivo que compôs grande parte do sua personalidade.

Mas agora eu questiono: será que o passado justifica todos os comportamentos das pessoas? Podemos escudar-nos disso? Pode isso desculpar-nos? Fazer-nos ser inimputáveis? Há muitas questões aqui. Mas para quase todas, na minha opinião, a resposta é não.  E por isso que o que mais me custou foi ver a forma como todas as pessoas lidam com o abusador. Apesar de se colocarem ao lado da Lily incontestavelmente, disso nunca restam duvidas,  não há qualquer punição para o agressor. Como se a culpa que sente e a certeza dura de saber que é o único responsável pela dor da mulher que ama fossem penitências suficientes pelos seus atos. Não são.

“Isto começa aqui” | Review

“Isto começa aqui” tem a história que os fãs do livro anterior merecem ler depois do sufoco que passaram com “Isto acaba aqui”. Fiquei fascinada pelo facto de a Colleen ter decidido escrevê-lo a pedido dos leitores. A verdade é que perdemos a história quando ela ia começar a ter um final feliz, no livro anterior. E isto é o que acontece geralmente com a maior parte das histórias. Não sabemos o que acontece depois de tudo começar a resultar. 

Li esta sequela de seguida, algo que normalmente não faço. Mas se o lesse depois podia desvalorizar ou desmerecer o seu valor assim sendo fez-me todo o sentido.

Não funciona como livro isolado e não é um livro necessário mas não deixei de o achar esta continuação muito interessante do ponto de vista de vermos as coisas quando começam a dar certo.  

É uma narrativa muito mais amena, descontraída, que tranquiliza e devolve alguma esperança. Funciona mais como um acalmar de coração com o objetivo de conhecermos melhor a personagem Atlas. Senti-me muito bem a lê-lo. Foi sobretudo reconfortante.

Atlas

O Atlas tinha tudo para ser uma pessoa revoltada, dura, fria. Aprendeu sozinho a ser exatamente o contrário. É consciente, responsável e atencioso. Tem o sangue frio que muitos de nós não teríamos perante o Ryle. Ele é aquele tipo de pessoa que sabe sempre o que dizer e o que fazer. As ações mais reconfortantes nos momentos em que mais são precisas. Pode até parecer irreal que não saia do sério em nenhuma situação. Mas a verdade é que ele construiu este caracter à base de muito maltrato. Para mim, ele é a estrela deste livro. 

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