enquanto o fim nao vem

Eis que chega o livro que me faz repensar os favoritos do ano: “Enquanto o fim não vem” é estrondoso. Eu leio por muitos motivos. Existirem livros assim é um deles. Arrisco dizer que todo o amante de arte em geral irá gostar.

Em “Enquanto o fim não vem ” Mafalda Santos mostra a sua destreza na escrita e na arte de contar histórias diferenciadoras e fora da caixa, tal como eu gosto!

Sobre a doideira que é escrever (e ler) um livro

Muitas vezes já ouvi escritores dizerem que os personagens os acompanham durante muito tempo. Que comem à mesa com eles, que se deitam na mesma cama, quem vivem com eles, no mesmo tempo e espaço. E que tomam decisões por si só, como se fossem pessoas vivas de facto. Pois bem, também nós que lemos, ficamos com os personagens como companhia. Deixam-nos também a nós confusos entre o que é real e imaginação. E não é só naqueles dias em que os lemos. Eles irritam-nos e apaixonam-nos. Eles vêm-nos à lembrança em momentos do dia-a-dia mesmo depois do livro estar pousado na estante, terminado. Portanto, sim eles existem! E depois deste livro penso que já ninguém poderá afirmar o contrário.

Acho este livro uma ode extraordinária ao que é ser escritor e uma inspiração generosa para quem aspira um dia escrever. A imaginação e a criatividade são talentos poderosos que a Mafalda usa com maestria. Tanto nas coisas mais insólitas como nas mais macabras das histórias e do ser humano.

Ficção ou realidade?

Vejo aqui um pouco daquilo que os escritores podem sofrer no seu dia-a-dia. A pressão das editoras e o desejo dos leitores tanto de ler mais coisas como de ver no protagonista o próprio autor, como os atores que são confundidos com as personagens, sabem? As pessoas têm necessidade de encontrar semelhanças, mas já pensaram que as obras nem sempre têm que ter a ver com quem as escreve? Podem ser mesmo só ficção!

É tão magnífico que alguém consiga sair da sua própria pele e seja capaz de inventar coisas que não precisam de ter propriamente uma explicação. É tão grandioso que alguém consiga sair da sua própria cabeça e colocar-se noutras apenas imaginando. Nem todas as histórias que lemos precisam de ser inspiradas em alguma coisa ou alguém. Nada contra isso, acho até saudável deitar monstros para o papel e aproveitar as vivências para escrever, mas também acho louvável que quem não tem nenhum macaco no sótão consiga criá-lo para escrever.

“Enquanto o fim não vem” não é um livro normal

E eu não vos posso dizer o quanto nem o porquê. A experiência de leitura passa muito por descobrir exatamente isso. Notem que eu não vos trouxe sequer a sinopse. Porque aquilo de que se trata não é bem aquilo de que se trata (emoji diabinho) E a magia reside aí. Sabem quando dizemos que um livro tem várias camadas? Não é nada disso! É ainda maior. Não é por acaso que a contracapa diz “se o leitor acha que já percebeu este livro, podemos afirmar com toda a certeza que não”.

Vejo aqui alguma genialidade porque a Mafalda pensou em várias coisas ao mesmo tempo e construiu uma história com várias histórias dentro.
Eu sou uma apaixonada por coisas fora da caixa. É altamente viciante ler este livro. Esta história colocou-me em várias dimensões e num estado de alerta que eu gosto de ter num livro (que é aquele em que já não estou a perceber nada e depois me acho muito inteligente porque compreendi, mas afinal não…sabem?)

Ler Mafalda Santos é uma sensação de imersão total. (Eu já tinha percebido com o anterior livro “Do outro lado“) E os temas que acontecem no meio daquilo que (achamos que) está a acontecer são inesperados, cuidadosamente colocados para causar choque, terror ou náusea. E depois viramos a página e já nos esquecemos disso porque estamos a sentir outras coisas completamente diferentes. Estamos acelerados, entre vários mundos, curiosos, ansiosos, completamente inebriados pelas dimensões nas quais vamos entrando e saindo entre as várias histórias.

Escrever e ler é a hipótese que temos de viver várias vidas. “Enquanto o fim não vem” é a metáfora perfeita para isso.