teatro

Quando era (mais) pequena, organizava espetáculos de natal para a família. Com teatros e músicas (que achava eu eram) cómicas (mas vendo-os hoje são só humilhantes) para ninguém adormecer antes da meia noite. Sempre gostei de imitar atrizes de telenovelas, de cantar no quarto (e em karaokes), de dançar quando ninguém está a ver, de escrever ficção, de pintar e fazer desenhos. Todas as formas de arte e expressão me fascinam de alguma maneira, desde sempre, ainda que possa não ter o jeito que queria para todas elas. Talvez até não tenha para nenhuma. Mas expoente máximo da criatividade é inventar o que fazer. E sempre encontrei muito bem com que me ocupar.

Nunca me dediquei a nenhuma destas ocupações mas este ano inscrevi-me nas aulas de teatro da Mafalda Santos, no Teatro Esfera. Confesso que achei que seria apenas para aprender os meandros do teatro. Fui com o objetivo de ter mais uma experiência, de fazer coisas novas. Não sabia que culminaria numa apresentação de uma peça a sério, com pessoas a assistir!

Desde sempre que acho que o teatro é a arte mais completa.

Tendencialmente julgamos que é para quem sabe fingir que ri e que chora. Que é feito por quem quer ser muitas pessoas, viver muitas vidas ou alhear-se de si mesmo. Muitas vezes pensamos que é para quem tem uma memória acima da média. Aprendi com a Mafalda que teatro tem muito pouco a ver com decorar texto. O teatro é interpretação, sentimento, postura, voz e… acreditar e confiar. Acreditar e confiar que somos aquela pessoa naquele momento, que estamos a sentir aquilo e sobretudo que somos capazes de o fazer. Se em nós o sentimento for esse, no público também será.

Treinei todas as segundas-feiras com os colegas de palco. Os ensaios eram muito produtivos, sentia sempre que estava a ganhar qualquer coisa, mesmo quando errava. Treinei todos os domingos em casa com a ajuda paciente do Bruno. Nos últimos dias treinei todos os dias. Cá em casa, chegámos a temer que os vizinhos achassem que estavam a viver num loop pois todos os dias tínhamos a mesma conversa desconexa à hora de almoço ou ao final da tarde.

“Amor e Informação”, de Caryl Churchill

Esta peça propôs-me o desafio não de ser um personagem mas sim vários. Em cada cena uma pessoa. Uma chiquérrima incomodada com os comportamentos do marido. Uma fã tresloucada disposta a fazer tudo pelo seu ídolo. Uma amiga que suporta a dor da outra. Uma crente na palavra de Deus. E uma noiva grávida que não tem pudor em enganar o marido no dia do casamento!

De Janeiro a Julho fui todas estas pessoas. E apesar dos nervos sempre me senti bem. Pensei que o barulho das pessoas, os risos ou os comentários em surdina me pudessem distrair, fazer-me esquecer da fala, da colocação da voz, da posição onde estar. Mas pelo contrário, as manifestações ajudam. Saber que as pessoas estão a sentir de alguma forma o que estou a fazer incentiva-me a continuar.

Partilhei esta experiência com pessoas que me apresentaram o teatro como ele é visto dos camarins, com grandes doses de generosidade, que em nenhum momento puseram em causa que o facto de estar a fazer isto pela primeira vez os pudesse prejudicar. Pelo contrário. Há entreajuda no teatro. Encontrei empatia, companheirismo, boa disposição e profissionalismo.

Agora o sentimento é de nostalgia e alegria. Saudade do que fiz e desejo de voltar a fazer. Como quando descobres uma coisa que tinhas mesmo que ter experimentado, que fazia parte de ti e não sabias porque estava camuflado por outras tantas paixões e algumas inseguranças. Ainda bem que agarrei a oportunidade. Ainda bem que vivi isto.

Foto de @kamane70