O poder da retórica e a sociedade actual

Usar a palavra. Falar em público. Passar uma mensagem. A retórica é uma arte de falar e de usar a linguagem como forma de comunicação eficaz e persuasiva. A retórica é um poder que a sociedade nos atribui para influenciar pessoas. De forma positiva, através da reflexão e consciência ou de forma negativa, através de artimanhas enganadoras. Que forma querem usar a vossa?
Lembro-me, na altura da escola, de ver uma peça de teatro, com origem no texto de Almeida Garret, “Falar verdade a mentir” que contava a história de um homem de classe baixa que tinha o vício de estar sempre a mentir. Para o ajudar um amigo resolve tornar verdade as histórias que ele conta e assim as suas mentiras passam a ser efetivamente verdades.
Também me lembro de estudar, na aula de filosofia, um livro de Platão sobre a arte da retórica. Sobre o poder da argumentação.”Górgias” era um livro de diálogos entre Sócrates e os sofistas em que se falava sobre como um bom orador consegue levar a sua plateia para o caminho que ele pretende, plantando ideias, através da arte de ludibriar, ou se preferirem, enganar. Lembro-me de um poema de Fernando Pessoa, de quem eu muito gostava, dizendo que o “o poeta é um fingidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente”.
Na sexta-feira passada vi a entrevista de José Sócrates, ex-primeiro ministro de Portugal, acusado de crimes de corrupção, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal. Nesta entrevista Sócrates esteve durante 45 minutos fiel à sua convição de que está inocente e diz a verdade, declarando categoricamente que as acusações do ministério público eram falsas. Durante toda a entrevista proferiu várias vezes que essas mesmas acusações eram calúnias e nenhum dos crimes de que é acusado corresponde à verdade, uma vez que, acredita, que a sua conduta enquanto primeiro ministro foi totalmente honesta.
Há uns tempos li um livro de Rodrigo Moita de Deus chamado “O homem do ano” que conta uma história de um vigarista em que “qualquer coincidência com a realidade é pura ficção”. É deste livro que vos venho falar hoje. D.Diego (nome inventado pela própria personagem para assumir um papel de relevo na sociedade) é um homem que após algumas dificuldades na vida decide que vai vingar. E assim é. Envolve-se na política, faz contactos com grandes empresas, torna-se amigos de pessoas do governo e dos grandes grupos económicos do país. Frequenta os grandes eventos sociais, envolve-se com jornalistas e gera um círculo de influências convenientes à sua volta. Tudo baseado em falsas amizades e esquemas de favores que sempre têm como objectivo beneficiá-lo.
“Um vigarista nunca acredita que é um vigarista. Ele é a primeira vítima das suas próprias palavras. Não estivesse plenamente convencido da sua bondade e dificilmente poderia fazer o que faz. Um bom vigarista é sempre um profundo crente e por isso um eficaz evangelizador.”
Considero este um dos melhores livros que já li pela forma ágil e interessante como está escrito. Pensando bem, a nossa sociedade é um bom ponto de inspiração uma vez que a história a que assistimos aqui se parece muito com a realidade que vivemos hoje. Não gostaria de adiantar os detalhes da história, mas gostaria muito de indicar que lessem este livro para perceberem como as coisas acontecem. Acho que este livro nos pode fazer deixar de ser ingénuos. Estas coisas acontecem mesmo. Eça de Queirós já nos tinha mostrado nos “Maias” como funciona a sociedade das influências. Em “O homem do ano” temos o retrato da sociedade de elite actual. O mundo em que vivemos.
“Sim, os vigaristas são as pessoas mais interessantes que podemos conhecer. Criativos, cativantes e sedutores. Simpatizamos come eles e aplaudimos os truques. Até porque o vigarista nunca sabe que é um vigarista. Quanto maior a vigarice, maior a capacidade de nos fazer sonhar. Quanto mais sonhamos mais gostamos. Adoramos adorar. Adoramos idolatrar. E o país ate pode perdoar erros infantis e falhas inacreditáveis. Até podemos perdoar traições. Só não perdoamos o facto de nos terem feito sonhar”
A retórica, a arte de bem falar, de argumentar, de persuadir e talvez mesmo de ludibriar ou enganar. É uma arma forte e poderosa na sociedade na medida em podemos com ela fazer o que quisermos. Podemos usá-la, podemos ouvi-la, podemos agir com ela. Se estivermos plenamente convencidos dos nossos ideais, das nossas ideias, dos nossos valores e convictos daquilo em que acreditamos, então através da nossa voz, conseguimos perfeitamente passar uma mensagem e comunicar. Há quem use isso para fazer o bem. Há quem use isso para fazer o mal. E vocês, qual é que vão escolher?
Green
Ao ler o teu texto lembro-me de certas opiniões e comentários de pessoas que conheço, cegas pelo PS, que acreditam completamente na inocência desse que falaste. Acho impressionante que não consigam ver o homem por detrás da máscara e que ainda se dirijam a ele como o “coitadinho”. Se há mais que mereciam estar atrás das grades? Claro que sim! Mas tem de se começar por algum lado.
Livro interessante, sem dúvida.
Andreia Moita
Este livro faz nos perceber os meandros da política, da economia, das finanças, da sociedade, é mesmo muito interessante!
Filipa Maia
Andreia, gostei tanto deste texto! Lembro-me perfeitamente de estudar “Falar verdade a mentir”, adorei a peça. É verdade que a retórica tem um poder gigante para quem a souber usar, e que por causa disso mesmo é necessário ter muito cuidado com quem a usa para o mal, como dizes. Eu gostava muito de melhorar a minha capacidade de falar em público (apesar de achar que não sou má de todo), mas para fazer o bem, claro! Obrigada pela excelente crónica =) Um beijinho
Andreia Moita
Filipa muito obrigada! És óptima com as palavras, eu adorei ouvir te quando tive oportunidade. Mas por agora tenho adorado ler-te! Beijinhos
Xana Nunes
Lembro me de ler todas as obras que mencionas ao longo do texto. E que texto. Muitissimo bem escrito e pertinente. Tao verdade. Um beijinho
Andreia Moita
Obrigada Xana. Beijinho.
Daniela Soares
Também em vem à memória várias vezes o “Falar verdade a mentir” e sem dúvida que o Sócrates tem o dom da palavra e da vigarice, já dei por mim a pensar isso numa outra entrevista que ele tinha dado. Confesso que se por um lado isso me repugna por outro fascina-se, tal como citaste as pessoas assim fazem-nos sonhar, é como se nos mostrassem outra realidade. Sem dúvida que este livro salta já para a minha wishlist!:)
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