a terceira india

O livro “A Terceira Índia” foi uma surpresa para mim. Talvez a melhor do ano 2020 em termos de livros lidos. Bem sei que o ano ainda não acabou e eu já livros incrivelmente bons, atenção. Mas este livro, até agora, foi o que me deixou mais impressionada. Eu adoro ler. No entanto, não sou de me emocionar, chorar ou revoltar. Nem de ficar presa ao livro depois de o acabar, coisa que, excecionalmente, aconteceu com este. Estava na reta final cheia de calor e não deixei ninguém falar comigo. Terminei o livro e disse “como assim?”

Quando comprei “A Terceira Índia” sabia que era o primeiro livro escrito por Íris Bravo (leiam no Crónicas por Ana Gui, mais sobre esta nova brilhante autora), uma médica ginecologista cuja história retratava uma mulher com endometriose, causa da sua infertilidade. E era só o que sabia. Portanto, pensei que o livro se ia centrar só nisso. Mas não. Esse é o ponto despoleta e conduz a história. Que a faz existir, digamos. Mas há muitas coisas que vão acontecer para além disso e por causa disso. Entendem?

A terceira Índia: Sofia

A Sofia é extrovertida, simples, desprendida, solta, leve, bem disposta, determinada e muito corajosa. Fala tudo o que tem a dizer de forma bem natural e sem medo. Tem tudo para eu gostar dela. Mas depois tem uma coisa que contraria tudo isto. Uma coisa que me faz querer abaná-la. É o seu amor desmedido por um rapaz de olhos verdes. E contra mim falo que também eu adoro uns bonitos olhos verdes, atenção. Mas, muitos mas aqui, A Sofia vive para que aqueles olhos olhem para ela o que nada tem a ver com a sua personalidade. Jesus do céu, que esta autora consegue fazer com que eu fale de uma personagem de ficção como se ela fosse minha amiga e eu a conhecesse muito bem. Tal é a forma que eu entrei nesta história!

A história de crescimento da Sofia, do Ricardo e do Alex

Continuando…Percebemos, durante a primeira parte do livro, que o seu amor pelo Ricardo é correspondido. Eu não nego que ele a ame demasido, mas é um amor diferente, baseado em valores ou crenças sobre o que deve ser o amor. Importa dizer que o Ricardo além de um belos olhos verdes é um religioso proveniente de uma família rica e cheia de não me toques. Esta é a minha analise. E tudo está brilhantemente enlencado pela autora, que nos envolve naquela história bonita de amor entre a miúda desprendida e o menino beto de boas famílias.

Após o quinto tratamento para ambos terem um filho, Sofia não lhe perdoa, finalmente, uma coisa (gente, tento ao máximo dar a minha opinião, sem fazer spoilers, é extremamente difícil, estou na luta) e parte para Moçambique para ser professora substituta. E sua vida começa lá outra vez. E nós podemos conhecê-la ainda melhor. A Sofia adulta. A Sofia irónica e divertida. A Sofia e não a Sofi (não me perguntem, leiam! ahah)

Em Moçambique é nos apresentado o Alex. Gostei dele instantaneamente. Porque ele dava o troco à Sofia. Toda a conversa que o Ricardo de olhos verdes filtrava, o Alex musculado e mal disposto deixava rolar. E foi bom assistir à Sofia desconstruída e audaz. Atrevida e forte. E era quando eu mais gostava dela. Quando eu mais ficava contente com ela e por ela.

Normalmente consigo distanciar-me da novela que acontece no livro. Sei que é a ficção. Mas com a Sofia não. Sofia, a terceira índia! (quem leu percebe, mas vejam esta entrevista dada ao Blog The Chapter com a explicação do nome do livro)

Construção de uma história

Eu via as páginas a terminar e comecei a ficar com calor porque a Sofia não me ouvia deste lado do livro. Ela não fazia o que eu achava que ela devia fazer. E o livro estava a acabar. E ela não fez mesmo. Fechei o livro de uma forma que não fazia há muito tempo. Irritada com ela. Porquê Sofia? Caraças.

Quando um livro termina com a frase “E agora?” fazemos o quê? Oh vá lá, isto não é spoiler, há imensa gente que lê a última frase antes de começar sequer a ler.

De há uns tempos para cá tenho vindo a analisar os livros (como se eu fosse muito esperta) para além da história, pela forma de escrita, narrativa, e construção de personagens. E a Íris Bravo tem uma escrita fluente como se estivessemos a falar com as personagens. É descontraída, sem frases feitas e sem que as coisas corram como estamos à espera. E depois fez uma coisa inteligente que um foi um gancho perfeito para o próximo livro. A autora já disse em várias entrevistas que o livro não iria terminar ali, simplesmente estava demasiado grande e teve que o dividir. Apesar de nos deixar em suspenso até à chegada do segundo volume, achei brilhante e isto tem que ser reconhecido!

Um livro é muito mais do que o seu final. E este tem tudo.

Mas um livro não é só o seu final. É a trama. São as personagens. São os diálogos. Um bom livro é a interprtação que lhe damos. No “A Terceira Índia” há espaço para gostar das personagens. Para não gostar. Para deixar de gostar e voltar depois. Para nos irritarmos. Para pensarmos mal e depois ver melhor. Para pensar ” se fosse eu não fazia isto” (sabem, como se fosse fácil).

Posto isto, recomendo vivamente a leitura de “A terceira Índia” porque é uma história fresca, natural e que sabe bem. Já tenho que adicionar a Sofia (apesar de me ter irritado ali no final) ao post dos livros sobre grandes mulheres.